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NEUROENDOSCOPIA NO TRATAMENTO DAS HIDROCEFALIAS

Após o desenvolvimento do primeiro endoscópio por Max Nitze em 1879, iniciou-se a neuroendoscopia ventricular em 1910, quando o urologista L'Espinasse colocou pela primeira vez um cistoscópio rígido dentro do espaço intraventricular para coagular o complexo coroide de dois pacientes com hidrocefalia (1). Dandy realizou a primeira terceira ventriculostomia e plexectomia em 1922 (2). Desde então, com a melhora da tecnologia óptica e dos endoscópios, os neuroendoscópios se tornaram uma alternativa para o tratamento da hidrocefalia de maneira minimamente invasiva.

A hidrocefalia é a patologia neurocirúrgica mais comum atualmente tratada por esses métodos. A TABELA 1 mostra os procedimentos mais comuns realizados com neuroendoscopio no tratamento da hidrocefalia ou patologias associadas.

TERCEIROVENTRICULOSTOMIA ENDOSCOPICA

 TVE é o procedimento neuroendoscópico mais comum para o tratamento da hidrocefalia obstrutiva. Nos últimos 30 anos o uso da TVE aumentou devido ao avanço tecnológico das lentes, instrumentais e vídeos.

Indicações

Os candidatos ideais são aqueles portadores de hidrocefalia de etiologia obstrutiva secundária a diversas causas, incluindo anomalias congênitas primárias, como estenose de aqueduto, mielomeningocele ou causas idiopáticas. Pacientes com obstrução secundária a tumores como gliomas de tecto mesencefálico podem ser tratados com TVE, assim como lesões da região da pineal, podendo-se realizar biopsia da lesão no mesmo procedimento (3,4,5,6).

 

Em algumas situações a indicação é relativa ou ainda motivo de controvérsia na literatura dependendo de cada caso. Incluem-se nesse grupo TVE no tratamento de hidrocefalia associada a tumores de fossa posterior e o tratamento da hidrocefalia obstrutiva previamente tratada por derivação ventriculoperitoneal que apresentam falha na derivação secundária à obstrução, infecção, pseudocisto abdominal ou outras complicações (7).

Técnica cirúrgica

Realizamos uma incisão frontal e arco seguido de trepanação frontal. Utilizando-se o neuroendoscopio rígido é realizado a punção do corno frontal do ventrículo lateral. Após inspeção da cavidade ventricular identificamos a veia tálamoestriada e veia septal anterior, assim com o plexo coroide no forame de Monro. Após acessar o terceiro ventrículo identificamos o tuber cinereum e realizamos a perfuração do mesmo seguido de ampliação da estomia como balão Forgarty. A inspeção da cisterna pré pontina é importante para evidenciar ausência de septos ou membras que impossibilitem a circulação liquórica do ventrículo para a cisterna FIRGURA 1,2.

Sucesso da TVE

Dentre os vários fatores possíveis de análise para o sucesso da TVE, os mais importantes são a idade do paciente no momento da TVE, a etiologia da hidrocefalia, a presença prévia de DVP e a experiencia do cirurgião ou centro onde a cirurgia está sendo realizada.

Em 2011 Kulkarni et al (8) fizeram uma revisão da literatura e estabeleceram escores para identificar quais os fatores possíveis indicativos insucesso do procedimento. A conclusão foi que a idade < 6 meses seria o fator preponderante do insucesso da TVE.

No entanto, Duru et al em 2018 (9), evidenciou que a etiologia da hidrocefalia também tem papel fundamental no sucesso da TVE e estabeleceu que nos casos constatados de hidrocefalia obstrutiva, especificamente, estenose de aqueduto, apesar de sucesso menor, estaria indicada a TVE em crianças < 6 meses com uma taxa de sucesso 56%, mesmo se comparada a uma taxa de sucesso de 94% nas crianças maiores que 2 anos. Além disso, Warf et al (3) mostrou que a associação de TVE com coagulação endoscópica do plexo coroide, utilizando-se endoscópicos flexíveis, estava associada a uma de sucesso maior que 70% no tratamento da hidrocefalia em crianças com mielomeningocele.

 

Portanto, atualmente, acredita-se que o sucesso da TVE aumenta de acordo com a progressão da idade da criança, porém nos casos de estenose de aqueduto e mielomeningocele, associando-se a coagulação do plexo coroide, podemos atingir taxas aceitáveis de sucesso mesmo em crianças menores que 6 meses de idade.

 

SEPTOSTOMIA ENDOSCÓPICA

Outra forma de hidrocefalia em que os procedimentos auxiliados por endoscopia têm se mostrado úteis é a hidrocefalia ventricular lateral isolada secundária a obstruções unilaterais no forame de Monro. Nestes casos, as septostomias endoscópicas podem ser realizadas para formar uma comunicação entre os ventrículos laterais, evitando-se assim a necessidade de derivação unilateral ventricular (10).

 

FENESTRAÇÃO DE CISTO

Os cistos intracranianos são frequentemente encontrados na população pediátrica e podem localizarem-se nas regiões intraventricular, paraventricular, cisternal ou nos espaços subaracnóideos. Esses cistos geralmente são descobertos incidentalmente, são pouco sintomáticos e não requerem tratamento. Por outro lado, os cistos podem causar efeito de massa, hipertensão intracraniana, deformidade e déficits neurológicos que requerem tratamento. Os principais cistos tratados por endoscopia estão descritos na TABELA 2.

 

O quadro clínico das crianças com esses cistos podem ser macrocefalia, “head bobbing”, cefaleia, crises epilépticas ou deterioração do desenvolvimento neuropsicomotor.

 

Nos casos dos cistos suprasselares os melhores resultados são com a fenestração do cisto e comunicação da cavidade do cisto com a cisterna pré pontina (11) FIGURA 3. Nos casos dos cistos de fossa posterior o mais comum é o cisto de Blake e a TVE seria o procedimento de escolha.

 

Enquanto os cistos de aracnoide ou ventriculares podem ser tratados com fenestração direta do cisto para a cavidade ventricular, os cistos colóides devem ser aspirados e se possível retirados; cistos secundários à cisticercose devem ser retirados com auxílio de pinças se possível (12).

 

IMPLANTE DE CATETERES VENTRICULARES

 

A neuroendoscopia pode auxiliar no implante de cateteres ventriculares nas hidrocefalias complexas FIGURA 4. No entanto, o principal papel da neuroendoscopia no auxílio de implantes de cateteres ventriculares está nos casos de quarto ventrículo “isolado”. Nesses casos a indicação formal é de aquedutoplastia com implante de stent no aqueduto e comunicação das cavidades ventriculares (13). Esse procedimento tem uma taxa de sucesso maior que 70% e com baixo índice de complicações. A aquedutoplastia pode ser realizada de maneira direta ou retrograda, ou seja, acessando-se o ventrículo lateral e terceiro ventrículo ou acessando-se o quarto ventrículo com implante do stent de maneira retrograda FIGURA 5.

Nos casos de pacientes com hidrocefalia com implante de cateteres aderidos ao plexo coroide, a neuroendoscopia pode auxiliar na coagulação do plexo e retirada do cateter evitando assim hemorragias intraventriculares (14).

LAVAGEM ENDOSCOPICA

 

Nos casos de ventriculites refratarias ou presença de granulomas infecciosos intraventriculares, a neuroendoscopia pode auxiliar no tratamento da infecção. Assim como nos casos de coágulos ventriculares, a lavagem endoscópica apresenta indícios de auxilio no tempo de tratamento da infecção, seja realizando-se a lavagem da cavidade ventricular, seja aspirando debris e granulomas que impossibilitem o tratamento adequado com a antibioticoterapia FIGURA 6.

COMPLICAÇÕES

 

De maneira geral, a neuroendoscopia no tratamento das hidrocefalias apresenta baixo índice de complicações quando bem indicado. No entanto, a terceiroventriculostomia pode apresentar como complicação principal do procedimento hemorragia ao realizar a perfuração do assolho do terceiro ventrículo. Nesse caso a lavagem exaustiva da cavidade e, por vezes, o implante de cateter de derivação ventricular externa pode ser necessário FIGURA 7. Outra complicação frequente é a fistula liquórica incisional nos casos de falha da TVE. Nesses casos, o fechamento adequado da pele e, se possível, da dura mater podem evitar esse tipo de complicação (15).

REFERÊNCIAS

 

1. Schultheiss D, Truss MC, Jonas U (1998) History of direct vision internal urethrotomy. Urology 52:729–734

2. Dandy W (1922) Cerebral ventriculoscopy. Bull Johns Hopkins Hosp 33:82–84

3. Warf BC, Campbell JW (2008) Combined endoscopic third ventriculostomy and choroid plexus cauterization as primary treatment of hydrocephalus for infants with myelomeningocele: longterm results of a prospective intent-to-treat study in 115 East African infants. J Neurosurg Pediatr 2:310–316

4. Al-Tamimi YZ, Bhargava D, Surash S, Ramirez RE, Novegno F, Crimmins DW, Tyagi AK, Chumas PD (2008) Endoscopic biopsy during third ventriculostomy in paediatric pineal region tumours. Childs Nerv Syst 24:1323–1326

5. Wellons JC 3rd, Tubbs RS, Banks JT, Grabb B, Blount JP, Oakes WJ, Grabb PA (2002) Long-term control of hydrocephalus via endoscopic third ventriculostomy in children with tectal plate gliomas. Neurosurgery 51:63–67

6. King JA, Auguste KI, Halliday W, Drake JM, Kulkarni AV (2010) Ventriculocystostomy and endoscopic third ventriculostomy/shunt placement in the management of hydrocephalus secondary to giant retrocerebellar cysts in infancy. J Neurosurg Pediatr 5:403–407

7. Sainte-Rose C, Cinalli G, Roux FE, Maixner R, Chumas PD, Mansour M, Carpentier A, Bourgeois M, Zerah M, Pierre-Kahn A, Renier D (2001) Management of hydrocephalus in pediatric patients with posterior fossa tumors: the role of endoscopic third ventriculostomy. J Neurosurg 95:791–797

8. Kulkarni AV, Drake JM, Kestle JR, Mallucci CL, Sgouros S, Constantini S, Canadian Pediatric Neurosurgery Study G (2010) Predicting who will benefit from endoscopic third ventriculostomy compared with shunt insertion in childhood hydrocephalus using the ETV Success Score. J Neurosurg Pediatr 6:310–315

9. Duru S, Peiro JL, Oria M, Aydin E, Subasi C, Tuncer C, Rekate HL Successful endoscopic third ventriculostomy in chidren depends on age and etiology of hydrocephalus: outcome analysis in 51 pediatric patients. Childs Nerv Syst (2018). https://doi.org/10.1007/s00381-018-3811-0

10. Oi S, Hidaka M, Honda Y, Togo K, Shinoda M, Shimoda M, Tsugane R, Sato O (1999) Neuroendoscopic surgery for specific forms of hydrocephalus. Childs Nerv Syst 15:56–68

11. Rizk E, Chern JJ, Tagayun C, Tubbs RS, Hankinson T, Rozzelle C, OakesWJ,Blount JP,WellonsJC(2013) Institutionalexperienceof endoscopic suprasellar arachnoid cyst fenestration. Childs Nerv Syst 29:1345–1347

12. Maqsood AA, Devi IB, Mohanty A, Chandramouli BA, Sastry KV (2006) Third ventricular colloid cysts in children. Pediatr Neurosurg 42:147–150

13. Fallah A, Wang AC, Weil AG, Ibrahim GM, Mansouri A, Bhatia S (2015) Predictors of Outcome Following Cerebral Aquedutoplasty: An Individual Participant Data Meta-analysis. Nerosurgery 78(2):285-96

14. Villavicencio AT, Leveque JC, McGirt MJ, Hopkins JS, Fuchs HE, George TM (2003) Comparison of revision rates following endoscopically versus nonendoscopically placed ventricular shunt catheters. Surg Neurol 59:375–379

15. Teo C, Rahman S, Boop FA, Cherny B (1996) Complications of endoscopic neurosurgery. Childs Nerv Syst 12:248–253

TABELA 1: Procedimentos endoscópicos mais comuns no tratamento da hidrocefalia

Terceiroventriculostomia endoscópica

Septostomia endoscópica

Aquedutoplastia

Fenestração de cistos intraventriculares

Coagulação de plexo coroide

Implante de cateteres intraventriculares

Lavagem endoscopica

TABELA 2: Principais cistos tratados por neuroendoscopia

Cistos de aracnoide (suprasselar)

Cistos intraventriculares

Cistos fossa posterior (aracnoide / Blake)

Cistos tumores (craniofaringeoma)

Cistos infecciosos (neurocisticercose)

Cisto coloide de terceiro ventriculo

HIdro Figura 1.jpg

FIGURA 1: Trajeto e local de perfuração da tercerioventriculostomia

HIdro Figura 2.jpg

FIGURA 2: Terceiroventriculostomia endoscópica

HIdro Figura 4.jpg

FIGURA 4: Implante de cateter ventricular em hidrocefalia complexa

HIdro Figura 3.jpg

FIGURA 3: Fenestração endoscópica de cisto suprasselar

HIdro Figura 5.jpg
HIdro Figura 6.jpg

FIGURA 6: Paciente com ventriculite refrataria. A seta mostra imagem de granuloma bacteriano. Lavagem endoscópica com aspiração de debris intraventriculares

FIGURA 5: Paciente com quarto ventrículo isolado. A seta mostra presença de stent no aqueduto de Sylvius

HIdro Figura 7.jpg

FIGURA 7: Complicação com sangramento durante realização de terceiroventriculostomia

Dr Hamilton Matushita

PROFESSOR DOUTOR HAMILTON MATUSHITA

CRM 32.091

Considerado uma das principais referências no tratamento de crianças com patologias neurocirúrgicas no Brasil e no exterior.

Possui graduação em Medicina pela Universidade de São Paulo (1977) , Doutorado em Neurologia pela Universidade de São Paulo (1991) e Livre-Docência junto ao Departamento de Neurologia - Disciplina de Neurocirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

 

Atualmente é membro da Sociedade de Neurocirurgia do Estado de São Paulo, membro sócio da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia Pediátrica, membro titular da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia, Active Member - International Society for Pediatric Neurosurgery, membro do comitê executivo da International Society for Pediatric Neurosurgery

 

É médico titular do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, chefe do serviço de neurocirurgia do Hospital Nipo-Brasileiro, Neurocirurgião Pediátrico do Hospital Israelita Albert Einstein, membro titular do Hospital Sírio-Libanês e Coordenador do Grupo de Neurocirurgia Pediátrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Dr Daniel Cardeal

DR. DANIEL CARDEAL

CRM 104.292

Médico que há mais de 10 anos integra a equipe coesa de neurocirurgiões formados pela Faculdade de Medicina da USP liderada pelo Prof. Dr. Hamilton Matushita.

Possui graduação pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP, Residência em Neurocirurgia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP, Título de Especialista em Neurocirurgia pela Sociedade Brasileira de Neurocirurgia - SBN.

 

Atualmente é Neurocirurgião do Grupo de emergências neurocirúrgicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, Neurocirurgião assistente do Grupo de Neurocirurgia Pediátrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, Neurocirurgião assistente nas avaliações neurocirúrgicas no Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP – ICR HCFMUSP. 

 

É membro da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia - SBN e Membro da International Society of Pediatric Neurosurgery - ISPN.

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